A felicidade obrigatória é de sua responsabilidade

Para aqueles que nasceram nesse regime econômico neoliberal de euforia perpétua (BRUKNER, 2020), o privilégio de poder ser o que bem-quiser se torna rapidamente um fardo. Já que não há um referencial além da busca de prazer incessante, todos são responsáveis pelos seus sonhos e sucesso. Consequentemente, também são culpados pelos seus fracassos e desventuras. A felicidade que tanto desejam recua diante deles enquanto a buscam. Em sua essência, ela é impossível. Assim como a demanda não cessa, o desejo é inatingível em sua completude.

Sem um objeto específico que corresponda a ordem social de ser feliz, os sujeitos retornam a agressividade para si mesmos por não cumprirem o padrão estabelecido. Ao se deparar com a infelicidade, eles infringem o status quo fazendo sintomas. “Nada mais vago do que a ideia de felicidade, aquela palavra velha prostituída, adulterada, tão venenosa que gostaríamos de excluí-la da linguagem.” (BRUKNER, 2020, p. 16).

No momento que pensam ter conseguido chegar perto desse objeto perdido que os completa, os sujeitos esbarram no tédio. A apatia ao perceber que a felicidade idealizada não é palpável e que a frustração é inescapável resulta em uma sociedade que sofre por não querer sofrer (BRUKNER). A infelicidade não é só frustração, é também um fracasso de ser feliz como os outros parecem ser; não basta ter momentos de felicidade, é preciso ser feliz, integralmente.

A felicidade não é um direito, é um imperativo. Os jovens da revolução de 68 pensaram subverter a ordem estabelecida, aquela que limitava o gozo e pregava posturas conservadoras. Mas fazendo isso, mesmo com as melhores intenções, esse movimento favoreceu a propagação do comercialismo universal. “Se tivessem um pouco de paciência, e se aceitassem que nossos improvisos continuassem, eu lhes diria que a aspiração revolucionária só tem uma chance, a de culminar, sempre, no discurso do mestre. Isto é o que

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a experiência provou. É ao que vocês aspiram como revolucionários, a um mestre. Vocês o terão.” (LACAN, 1969-70, p. 218). Antes opostos, a moral e a felicidade se fundiram em uma obrigação. Ser infeliz é imoral, “o superego se mudou para a cidadela da felicidade e a governa com mão de ferro” (BRUKNER, p.62).

Com a ascensão do neoliberalismo à uma dominação global, toda uma ética de se sentir bem consigo mesmo foi implementada para nos governar. “Sorria, você está sendo filmado”, o Big Brother (Orwell) espera embriaguez com a propaganda e mercadoria, e que sustente um sorriso frente a todas as consequências desse novo sistema econômico. Ainda assim, o aspecto aparentemente democrático desse novo regime defende que ninguém é destinado pela natureza. Infelizmente, seu aspecto punitivo escraviza o sujeito a buscar sempre se aprimorar, a ser melhor. No momento que afrouxa um pouco a coleira, ele cai novamente no inferno flagelante da inutilidade.

Um dos produtos do neoliberalismo como gerenciamento vigente é a pós-modernidade. Diferentemente de seu germe econômico, a pós-modernidade se refere a uma cultura transformada em um armazém de produtos criados para serem consumidos em massa. A boçalidade e apagamento do passado como relevante já foi atestado pelo artista Andy Warhol e sua máxima de fifteen minutes of fame; nada dura mais do que 15 minutos no círculo de notícias, seja mundial ou dentro de um sistema educacional. A pop-culture é evidência de que a durabilidade não é um fator à favor. Ser consumido e descartado é a norma, seja de um objeto ou um laço social; a obsolescência é inevitável, mesmo que forçosamente (BAUMAN, p. 42).

Ao organizar uma coletânea de artigos sobre o discurso do capitalista, Goldenberg (1997) propõe que estamos diante de um mestre que não tolera a mais-valia, o mais-de-gozar lacaniano (p. 74): “(…) estamos diante de um mestre que não mais necessita da força simbólica da tradição para impor o seu domínio; ele se impõe como mestre apenas pela sua vontade de lucrar e pela sua capacidade de acumular. Ou seja, ele exerce seu domínio enquanto sujeito”.

Concomitantemente à imposição da lei, o supereu é regido pela lógica do gozar compulsivamente. “Goza!”, ele comanda, mas não deixando de delinear as consequências que criam um purgatório individual de se responsabilizar pelo infortuno.