A psicose maniaco-depressiva


Com a falência do Nome-do-Pai como significante da Lei, a função paterna perde sua essência de ideal fálico que, supostamente, saberia do desejo do Outro. A hierarquia vertical com um pai detentor do saber no topo começa a desmoronar com o avanço da globalização e as novas tecnologias. As formas tradicionais de regulação caem por terra e o sujeito se encontra desnorteado sem uma figura identificatória que o oriente no campo do gozo. 

Nossa sociedade pós-moralista (LIPOVETSKY, 2005) enfrenta um surto generalizado de novas psicopatologias, como a anorexia nervosa, as toxicomanias, personalidades borderline, e desdobramentos de estruturas previamente bem-estabelecidas que agora não se encaixam em apenas uma definição. A modernidade líquida em que vivemos traz consigo a fragilização das relações enquanto somos sedados pela lógica do consumismo desenfreado, tranquilizando os escrúpulos éticos e a crescente discriminação (BAUMAN, 1999). Nos tornamos crianças eternamente alienadas em uma sociedade do espetáculo, com nossos relacionamentos sociais mediados por imagens e incapazes de distinguir o verdadeiro do falso (DEBORD, 1967).

Destacarei aqui um transtorno que tem se popularizado nos diagnósticos psiquiátricos: o transtorno de humor bipolar, ou, como era conhecido antes de sua modernização, a psicose maníaco-depressiva. Utilizarei durante a construção deste artigo a antiga nomenclatura por estar focado em tratá-la como pertencente às estruturas psicóticas, deixando de lado o debate sobre a possibilidade da bipolaridade nas neuroses. Empregarei o termo “bipolar” como adjetivo referente as duas polaridades mania-melancolia e comentarei o surgimento do termo na psiquiatria.

Comecemos por uma digressão ao pai da #psicanálise:


Freud sobre a Melancolia

O ensaio Luto e Melancolia foi lançado por Freud no início do período da Primeira Guerra Mundial. Escrito em 1915, junto com outros 12 títulos que inicialmente compunham sua Metapsicologia, mas que apenas cinco destes doze vieram a ser publicados. Sua originalidade está em contrastar a estrutura do sujeito melancólico com o processo de luto vivenciado por todos. Enquanto o luto é a reação à perda de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja em seu lugar, sendo necessária a retirada de libido das conexões com esse objeto, a melancolia não possui necessariamente um objeto específico de perda para se revelar. Diferentemente do luto, o melancólico não sabe conscientemente o que se perdeu, mas sente as mesmas angústias que um enlutado e um pouco mais.

Freud descreve-a nos seguintes termos:

A melancolia se caracteriza psiquicamente por um desânimo profundamente doloroso, por uma suspensão do interesse pelo mundo externo, pela perda da capacidade de amar, pela inibição da capacidade para realização e pelo rebaixamento da autoestima (grifo meu), que se expressa autorrecriminações e autoinsultos, até atingir a expectativa delirante de punição. (FREUD, 1915)

A questão fundamental destacada pelo psicanalista é a degradação do eu, do rebaixamento da autoestima à ponto de ser delirante. À medida que o enlutado perde o interesse pelo mundo externo, o melancólico perde seu investimento libidinal no próprio eu. A “insatisfação moral com o próprio eu” (Freud, 1915) é a chave para o quadro clínico da melancolia. Como Freud mesmo articulou, “a sombra do objeto [abandonado] caiu sobre o eu” e agora é julgado como se fosse o próprio objeto perdido. Ele também levanta a hipótese que, diferentemente de um investimento amoroso, a escolha de objeto pelo melancólico se dá por uma identificação narcísica, de maneira que a libido investida no objeto consiga se reverter ao narcisismo caso haja uma perda na idealização. 

Essa objetificação do eu tem consequências drásticas na clínica dos melancólicos. Já que se autodepreciam pela identificação narcísica com o objeto, a integridade do eu é posta em questão ao se pensar em punir o objeto. A hostilidade perante o objeto desconstituído de sua idealização pode agravar em um suicídio por parte do melancólico ao tentar se livrar do objeto no qual está identificado. 

A comparação que nos interessa é feita por Freud nas últimas quatro páginas de seu ensaio: a melancolia como o oposto extremo da mania; ela possui tendências a se transformar no estado sintomaticamente oposto da mania. Enquanto uma deprecia o eu, a outra o enaltece. Na mania, a libido narcísica está disponível para ser gozada em inúmeras aplicações e possibilidades de descarga. Libertado das amarras do objeto perdido que o fez sofrer, o antigo melancólico têm a sua disposição todo o montante de investimento que, após a fase melancólica, se desloca à procura de novos investimentos objetais. 

Um esclarecimento posterior aos quadros de mania pode ser encontrado no ensaio  Psicologia das massas e análise do eu (1921), mais especificamente no subtítulo XI, Um estágio no eu. Nele, Freud desenvolve os quadros maníacos no que chamou de “alteração cíclica de humor”, um nome da pseudo-psicopatológico para os quadros de ciclotimia, um tipo de transtorno bipolar. De acordo com ele, o fundamento das oscilações de humor é desconhecida, mas pode-se supor envolver uma dissolução temporária do ideal do eu no próprio eu. A fusão maníaca entre ideal do eu e eu seria o que causa a abolição de inibições, reservas e autocensuras, comum nos quadros de mania pelo estado de ânimo triunfante e felicidade consigo mesmo. 

Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) na psiquiatria

O adjetivo bipolar veio substituir o antigo termo de psicose maníaco-depressiva (PMD) na clínica psiquiátrica para evitar de usar termos problemáticos como “#psicose”, “#neurose”, “#histeria”, etc. Com o postulado das novas classificações psicopatológicas era de serem descritivas, ateóricas. Vindo substituir a definição comumente aceita de Kraepelin das PMD, Karl Leonhard cunha o termo “Transtorno Afetivo Bipolar” para se referir às psicoses endógenas baseadas nas polaridades de humor. É um termo mais aceito por separar as manifestações psicóticas, como delírios e alucinações, que não necessariamente ocorriam em pacientes diagnosticados com PMD. Esse termo foi apresentado a partir do DSM-III (1980), com seu viés separado da psicanálise e voltado para as neurociências. No CID 10, o TAB é classificado entre os transtornos de humor:

(…) nos quais a perturbação fundamental é uma alteração do humor ou do afeto, no sentido de uma depressão com ou sem ansiedade associada ou de uma elação que se acompanha, em geral, de uma modificação do nível global de atividade. A maioria dos outros sintomas é secundária às alterações do humor e da atividade ou facilmente compreensível no contexto destas alterações. Tendem a ser recorrentes.


O rompimento do DSM com as psicodinâmicas, a partir dos anos 80, teve como consequência um enaltecimento dos psicofármacos e da neurociência, sendo o lançamento de novos estabilizadores de humor, antidepressivos e antimaníacos uma regularidade comum. Pouco se sabe sobre os mecanismos de ação dos estabilizadores de humor, mas reconhece-se a eficácia dos antiepilépticos (como o lítio) no controle da bipolaridade.

O critério utilizado na classificação dos TABs é evolutivo e pode ser dividido entre: episódico (um único episódio maníaco ou depressivo), recorrente (uni ou bipolar) ou persistente (diversos episódios durante a vida). Além disso, o transtorno se divide entre: episódio atual maníaco (hipomania ou mania, com ou sem sintomas psicóticos), episódio atual depressivo (leve, moderado ou grave, com ou sem sintomas psicóticos), misto ou em remissão. 


Lacan e a psicose maníaco-depressiva

Lacan foi ainda mais econômico que Freud ao tratar da PMD. Apenas algumas linhas espalhadas entre seus escritos e seminários foram usadas para descrever psicanaliticamente o quadro clínico. Se fossemos traduzir o que Freud desenvolveu sobre a “hemorragia narcísica” do eu na melancolia para termos lacanianos, teríamos que considerar que a perda do objeto produziria um buraco no Outro, provocando um abalo do Ideal do eu [I(A)] e também do eu ideal [i(a)]. Enquanto o luto é predominantemente relacionado com o i(a), no qual o falo imaginário (-φ) é desvelado para produzir o enfrentamento da castração, a melancolia sofre de uma não-existência de um i(a) sustentado pela função fálica. De acordo com Quinet (1997), “trata-se de um i(a), conjunção de um imaginário e de um real, relativo ao objeto”. 

Se a perda é da ordem de um ideal, se trata de um significante-mestre (S1) que ocuparia o lugar de suplência à foraclusão do Nome-do-Pai. Se Freud hesitava entre qual estrutura clínica colocar a bipolaridade (psicose ou neurose narcísica, junto com a paranóia e a esquizofrenia, diferenciadas das neuroses de transferência; neurose narcísica diferenciada da psicose e da neurose), Lacan foi claro em sua aposta de que se trata de uma estrutura psicótica. 

Voltando para a formulação freudiana de que “a sombra do objeto caiu sobre o eu” na melancolia, podemos entender que o efeito da dissolução imaginário, causada pela perda do S1 que tamponava a foraclusão, desvela também o estatuto real do objeto a. Ou seja, na melancolia, as três vertentes do objeto, simbólico [I(A)], imaginário [i(a)] e real (a), podem ser reunidas no objeto de identificação narcísica perdido. 

Lacan dirá em Televisão (1973) que o anulamento da estrutura do Outro na melancolia não causa uma angústia, mas sim uma dor de existir. Quando desaparece o objeto que servia como suplência ao Nome-do-Pai, o melancólico se vê identificado com este, com o dejeto, largado pelo Outro; ele se identifica com o próprio objeto a. Mas o aqui é carregado com o estatuto de rebotalho do simbólico, como o vazio equivalente à foraclusão. O sujeito se torna esse oco, esse nada. 

Em seu Seminário X, A angústia, Lacan tratará da mania como um desvario da metonímia. Ele explicita que “é a não-função do a que está em causa”, consequentemente impedindo o sujeito de lastrear em um a, o que o deixa entre a “metonímia pura, infinita e lúdica

da cadeia significante”. Clinicamente, esse deslizamento incessante de significantes aparece na fuga de ideias do maníaco, tentando incessantemente fixar o objeto causa de desejo. Da melancolia e seu delírio de ruína, o sujeito se defende com o delírio de grandeza maníaco. O maníaco é um saco sem fundo; ele é aquele que tem [o falo]. 

Na segunda tópica freudiana, iniciada com o texto O Eu e o Isso (1923), o autor desenvolve mais ainda a instância da mania: ele diz que há uma indiferenciação entre o ideal do eu e o eu ideal, sendo o imaginário e o simbólico intercambiáveis. Na mania, de acordo com Freud, o sujeito fica apaixonado por si mesmo. Ele passa da dor de existir por perder o objeto para uma excitação extrema ao achar o substituto em si mesmo. “O objeto perdido é erigido novamente no eu” (Freud, 1923). 

Após a elaboração do conceito de pulsão de morte, em 1920 com o texto Para além do princípio do prazer, a auto-acusação na melancolia se torna produto de uma identificação do sujeito com o objeto, que atrai a cólera do supereu contra ele mesmo. Esse consegue “levar o eu a morte, se este não consegue se defender desse tirano” (Freud, 1920). A mania entraria como defesa contra o supereu tirânico. 

A mania é uma festa

A comparação entre mania e uma festa foi feita por Freud em Totem e tabu (1913). Mesmo a mania sendo o oposto sintomático da melancolia, o conteúdo de ambas não difere. O que muda é a maneira de enfrentar o “complexo”, na melancolia o eu sucumbe ao processo, enquanto na mania ele o domina. O circuito bipolar é explicado ao se pensar na quantidade enorme de energia libidinal desprendido na melancolia, que passa a estar disponível na mania para ser aplicada de várias formas. 

O humor maníaco pode ser irracional visto de fora, uma excitação sem motivo aparente que, na realidade, esconde a identificação do sujeito com o objeto a. O episódio é vivenciado por uma perda de inibições e alegria da transgressão, assim como em uma situação festiva onde as proibições e limitações que regulam as pulsões são temporariamente levantadas. A mania derruba as instâncias de controle, suas exigências são momentaneamente suprimidas.

Três são as definições possíveis dos episódios maníacos: mania aguda, mania delirante e mania com sintomas psicóticos. Sendo a mania em geral um “retorno no real daquilo que foi rechaçado de linguagem (do inconsciente) e que se faz mortal” (Lacan, 1973), ela pode progredir até um surto psicótico no qual o foracluído retorna no real através de alucinações. O surto afeta diretamente a experiência psíquica do sujeito, podendo distorcer a vivência de si, do corpo, espaço, tempo, desejo, fala.

A fenomenologia atribuída a um episódio de mania é extensa: exaltação, inquietação, aceleração, loquacidade, hipersensibilidade, instabilidade, alegria, furor, agressividade, delírios de grandeza, filiação, invenção, místicos, associação por assonância, insônia, inapetência, aumento da disposição, etc. O sujeito fica à deriva na cadeia significante, sem conseguir se reconhecer ou parar o automatismo de ideias.

Além do desenganche da palavra e desordem da historicidade, o corpo também é prejudicado pelas fases maníacas. Ele se torna infatigável, insone, animado ao extremo, capaz de levar a morte. A excitação maníaca é um gozo não regulado pela função fálica, na qual o corpo é assediado pelos múltiplos da linguagem no real. O sujeito entra em um looping de tentar obturar o buraco do simbólico, sem integrá-lo. 

Darian Leader, psicanalista britânico e escritor, caracteriza e diferencia a mania como:

“Na fase maníaca, os significantes que determinam a vida do sujeito são apenas palavras entre outras palavras, como se seu peso integral não fosse registrado” 

“Na mania, é como se as palavras se desvinculassem de seus sentidos, para que as ligações acústicas pudessem ser seguidas, ao passo que, nas fases depressivas, as palavras seriam poucas e carregadas de um único sentido monolítico” (LEADER, 2015)


O tratamento farmacológico 

O discurso organicista psiquiátrico tende a acreditar que a PMD se trata de um problema de prescrição, sendo os mecanismos biológicos considerados suficiente para explicar a patologia e suas determinações genéticas. Essa afirmação é questionável já que os mecanismos dos transtornos de humor são deveras desconhecidos em suas dimensões biológicas. Considera-se que o transtorno bipolar é um produto de uma rede multifatorial complexa. 

O “culto ao lítio” como salvação para o paciente diagnosticado com PMD é abundante em furos. A eficácia a longo prazo do tratamento com estabilizadores de humor e neurolépticos, assim como a veracidade da efetividade a curto prazo, precisa ser relativizada. Considerada uma psicose não desencadeada, a PMD tem sua emergência antes dos trinta anos, com a probabilidade de recaídas sintomáticas ao longo da vida. Uma consequência comum do paciente ter uma remissão dos sintomas no tratamento psicofármaco é o desacreditamento em relação à sua medicação, muitas vezes induzindo a crença de que não precisam mais de remédios. Outro cenário habitual é a recusa aos medicamentos pelos pacientes que ultrapassam a estabilidade para a hipomania em tratamentos mal-informados, desregulando ainda mais seu humor. 

Além das auto-sabotagens possíveis no tratamento, o os efeitos a longo prazo do lítio incluem: Hipotireoidismo, particularmente quando existe história familiar de hipotiroidismo e lesões renais comprometendo o túbulo distal (que aparecem depois de ≥ 15 anos de tratamento com lítio). Mais uma complicação se encontra no fato de que O carbonato de Lítio é aplicado em doses próximas do nível máximo, sendo necessário acompanhamento por exames de sangue para evitar a intoxicação.

A própria estrutura possui meios de se estabilizar. A personalidade dos que sofrem de episódios melancólicos implica em uma tendência a identificação exagerada com os papéis sociais e objetos externos. Essa serve como uma suplência da estrutura psicótica à foraclusão, mas é sacudida quando o sujeito se depara com uma situação de perda desse papel. 

Vale advertir que a apresentação do significante “bipolar” ou “maniaco-depressivo” nada auxilia no tratamento. Pelo contrário, ela pode ser uma resposta perfeita à demanda do paciente por um objeto na qual possa se identificar. Ao diagnosticar, o psiquiatra oferece um papel social previamente definido para que o melancólico siga, intensificando os sintomas e somatizando ao pé-da-letra a definição do DSM. A patologia se torna uma desculpa cômoda para toda e qualquer ação do paciente PMD. Isso só agrega trabalho para o analista que terá que desafixar o sujeito deste significante.

A transferência com pacientes psicóticos maníaco-depressivos

Devido à perda de atenção, inquietude, irritabilidade, fuga de ideias, aceleração e delírio de grandeza, os analisandos PMD em fases de mania não conseguem sustentar o tipo de relação necessária para uma análise. A maioria dos tratamentos psicanalíticos demanda um tempo considerável, podendo ser estático demais para um sujeito na mania. Sem contar que, em sua plena beatitude, o maníaco provavelmente não necessitará de um tratamento.

Segundo correspondências entre Abraham e Freud, este último teria recomendado tomar os pacientes psicóticos maníaco-depressivos em tratamento no momento das fases de melancolia ou nos intervalos remissivos entre as fases. Tendo em mente a hiper-identificação melancólica, é de se esperar que o sujeito coloque o analista no lugar de protetor incarnado de sua causa desesperada por um objeto perdido. 

O manejo do analista deve ser orientado pela clínica diferencial das #psicoses#Freud já advertia para a incapacidade dos melancólicos de estabelecer o amor transferencial. Por conta da libido sendo dispersa no eu, os pacientes PMD não conseguem investir na figura do analista. Este ainda precisa ser cauteloso para não ocupar o lugar de Outro que abandonou o sujeito melancólico, sendo seu papel o de encarnar um lugar de vazio de gozo que possa produzir uma interpretação que convoque o sujeito da psicose a assumir uma posição subjetiva que não dependa deste Outro. O Outro precisa ser constantemente barrado em seu gozo, para que o sujeito perceba que existe vida separado deste. 

O problema da psicose não é a perda da realidade, isso seria postular uma realidade normativa. A questão é o expediente daquilo que vem substituir a realidade. A realidade é produto do simbólico com o imaginário, mas nas psicoses o significante fálico vem como invasor à essa, causando angústia ao sujeito via transbordamento do real. 

A psicose maníaco-depressiva na clínica dos nós

O mesmo nó da #esquizofrenia (nó de Whitehead) pode ser aplicado para a melancolia, com a continuidade do real e imaginário. Essa junção tem como consequência colocar o eu e suas ideações em uma relação direta com o real, com o vazio de significação. A perda do objeto abala diretamente com o eu ideal, colocando ele fora da cadeia significante. Já que não existe um i(a) sustentado pela função fálica, a perda coloca o sujeito cara-a-cara com a foraclusão. Desta perda cria-se um furo na cadeia, que se esvai a libido e causa um esvaziamento do eu. 

Este nó serve também para a #manía, com continuidade do #simbólico e imaginário. O maníaco manifesta sua negação da realidade com a fuga de ideias e um discurso metonímico. Ele está disperso no infinito da linguagem, com seu eu preso aos significantes. O corpo ignora suas exigências reais e o torna incansável. O eu ideal (imaginário) e o ideal de eu (simbólico) se mesclam em um só registro. 

Na mania, convém esclarecer desde logo que é a não-função do que está em causa, e não simplesmente seu desconhecimento. O sujeito não se lastreia em nenhum a, o que o deixa entregue, às vezes sem nenhuma possibilidade de libertação, à metonímia pura, infinita e lúdica da cadeia significante. (SE X, p. 365)


Da tese de doutorado ao seminário XXIII – Estabilizações psicóticas

Estabilização pelo ato

Enquanto Freud fundou a psicanálise baseado em suas histéricas, Lacan inicia seu percurso como psicanalista com a paranóia. Em sua tese de doutorado de 1932, sob o título Da #Psicose Paranóica em suas Relações com a Personalidade, Lacan vai trabalhar o ato como solução na psicose. Com o caso Aimée, explicita a saída pelo ato no real para a angústia paranóide. A paciente, por motivações delirante, esfaqueia uma atriz em que se encontrava identificada. Esse ato surtiu efeito em si própria, sentindo alívio afetivo e a queda brusca do delírio. Esse ato não é passível de interpretação, ela concerne ao gozo e não ao significante; é a tentativa de realizar a castração simbólica pelo real. 

O conceito de passagem ao ato será melhor apresentado a partir do Seminário X, articulado ao objeto a. Quando em uma estrutura psicótica, na qual a relação do Outro com o gozo são inseparáveis, a passagem ao ato é vista como uma tentativa de barrar o Outro em sua dimensão invasiva. A predisposição psicótica ao ato é explicada pela não limitação do gozo pela fantasia. Diferentemente das neuroses, nas quais o objeto é extraído através da castração, nas psicoses falta a falta, encarnando eles mesmos a resposta para a #angústia do desejo do Outro. 

Estabilização pela metáfora delirante

Em seu terceiro seminário, As psicoses, Lacan formaliza a importância do Nome-do-Pai para a constituição da estrutura clínica do sujeito. A metáfora paterna permite elidir o desejo do Outro materno, dando à criança a possibilidade de nomear-se frente ao enigma que funda a sua subjetividade: o que quer o Outro? Quem sou eu em seu desejo? A figura do pai seria a representação da Lei da cultura, interditando o incesto ao mesmo tempo que consente o sujeito à procurar satisfação em outros objetos. A fórmula a seguir resume a metáfora paterna:

Quando o Outro se recusa a integrar o Nome-do-Pai na triangulação edípica, ocorre a foraclusão. O significante é rejeitado simbolicamente, deixando em seu lugar um furo no Outro. Consequentemente, a significação fálica não ocorre, não tendo o efeito de substituição do desejo materno. Não há metáfora. Isso não significa que o psicótico está fora da linguagem, mas a não-extração do objeto a, devido a falta da castração, exige que o sujeito advenha para fazer sutura ao real ele próprio.

A saída estabilizadora desenvolvida por Lacan no Seminário III a partir do caso #Schreber é a metáfora delirante. Em suas Memórias, o presidente relata a estrutura de seu delírio e exemplifica como uma alucinação é percebida pelo sujeito psicótico. A construção delirante ganha o estatuto de metáfora em ao menos quatro instâncias. 

Primeiramente, uma ruptura na cadeia de sentido provoca uma autonomia do significante no real, provocando uma perplexidade angustiante no sujeito, que sente que o enunciado não provém dele e sim de terceiros. Por conseguinte, ocorre uma deslocalização do gozo, causando fenômenos corporais no psicótico.

Em segundo lugar, ocorre a renúncia fálica, a morte do sujeito como compromisso razoável para a significação do gozo deslocado. A busca por explicações delirantes sobre esse estranho que lhe invade culmina em um Outro todo-poderoso. Nesse movimento, o sujeito se anula como desejante e se coloca no lugar de objeto.

A terceira etapa seria a identificação do gozo do Outro que, a partir de então, se encontra nomeado, assentado em um significante. No caso de Schreber, essa solução veio na forma de ser A mulher de Deus. Ainda assim, a angústia persiste. O que muda é que seus perpetradores se encontram identificados. 

Por fim, ocorre o consentimento ao gozo do Outro. A suspeita delirante se torna uma parte aceita da realidade. A alucinação persecutória se torna menos angustiante no momento em que o delírio é aceito como realidade. Infelizmente, como qualquer trabalho de elaboração simbólica, resta algo de inassimilável. Esse gozo suplementar se instala com a possibilidade de uma passagem ao ato. Ou uma contínua desestabilização. A metáfora delirante nos evidencia a possibilidade de um trabalho de simbolização, sendo uma estabilização pelo simbólico e não pelo real. 

Estabilização pelo sinthoma

No momento em que se dedica ao estudo de Joyce no Seminário XXIII, Lacan prescinde uma nova forma de estabilização entre o simbólico e o real, no ponto limite de inscrição da pulsão. Aqui #Lacan limita a eficácia simbólica até a letra. A “linguística lacaniana” introduz os conceitos de lalíngua, falasser e letra. A primeira seria a linguagem do inconsciente real, antes de passar pela histericização que leva a linguagem. O falasser é todo o sujeito falante, sem distinção entre estruturas. E a letra é o litoral entre real e simbólico, o suporte para o pensamento e o significante. 

Como todos os três registros, real, imaginário e simbólico, se tornam equivalentes em sua importância, um quarto registro se faz necessário para manter os três articulados. O sinthoma entra como construção singular do sujeito, um savoir faire impossível de ser decodificado. O Nome-do-Pai nada mais seria do que um #sinthoma neurótico que amarra os registros. Para um PMD foracluído, é preciso que se construa um nome próprio sem o apoio do Nome-do-Pai.