De Freud à Lacan: o “retorno à Freud”


O texto de Althusser tem uma visão social da redescoberta feita por Lacan da psicanálise freudiana. Nele, vê-se como ela foi distorcida por muitos, inclusive a escola inglesa, para que se encaixasse nos padrões capitalistas da época. O revisionismo teórico que a psicanálise sofreu teve como consequência uma queda no biologismo, no psicologismo e no sociologismo. Quando #freud inventou sua própria “#ciência”, ele tomou com bases as existentes antes dele, mas isso não pode deixar-lá alienada em nenhuma das anteriores. 

O retorno à Freud começa com #Lacan em seu primeiro seminário, Os escritos técnicos de Freud, como uma recusa aos psicanalistas pós-freudianos, que subverteram os conceitos psicanalíticos em uma análise egocentrada e contornar o revisionismo no qual a psicanálise sofreu. É preciso entender a verdadeira relação epistemológica em que os conceitos psicanalíticos foram baseados para analisar o quão além deles eles foram. 

Lacan é, antes de mais nada, aquele que retornou à Freud não só pelo seu começo, ele diz que, em princípio, Freud fundou uma ciência. Uma ciência nova, que é a ciência de um objeto novo: o #inconsciente. Mas até onde podemos considerar a psicanálise uma ciência?

De acordo com Althusser, três autores foram filhos bastardos do século XIX que criaram para si uma teoria científica ou crítica: #Marx#Nietzsche e Freud. Assim como os demais, Freud sofreu com uma solidão teórica por não ter tido nenhum semelhante em sua época para compor a sua teoria, ele quase não achou pais ou iguais; ele teve que ser seu próprio pai. Com seus conceitos importados da Filosofia, Física energética, Economia política à Biologia, Freud montou seu negócio sozinho. Seus conceitos foram produzidos sozinho, sob a proteção de conceitos importados das ciências de sua época, banhado em um mundo ideológico que depois tiveram suas consequências. Freud parte de disciplinas diferentes da psicanálise para criá-la mas não é possível transformá-la ou reduzi-la a estas disciplinas.

A psicanálise montada por Freud tem, formalmente, a estrutura de uma ciência: ela possui uma prática (a análise), uma técnica (o método da associação-livre) e uma teoria em relação com as duas anteriores. Mas é questionável se se trata realmente de uma ciência ou de uma práxis ao ter sua prática em primeiro lugar para o desenvolvimento de tais conceitos.

Diferentemente do que se pode pensar em um “retorno” como algo do início, o que Lacan fez foi retornar à uma teoria bem estabelecida da psicanálise, bem fixada e assentida no próprio Freud. Ele voltou não ao nascimento mas a teoria madura, suficientemente avançada, instalada na vida para haver um método e engendrado sua prática. Não foi nem na sua origem com Charcot e Breuer, e nem na sua velhice com os preconceitos que a acompanhavam. Lacan pegou a teoria de Freud em sua juventude e maturidade. Pegar Freud em sua infância seria repetir a clínica inglesa, ignorando os avanços e centrando no infantilismo. Essa recaída na infância se chama “psicologismo”, tirando o Freud inicial de seu contexto para se encaixar junto com as outras ciências no qual ele usava como base apenas para ser reconhecidos como tal.

Seria um reducionismo pegar a psicanálise tão jovem e só a considerar pelos seus estágios do desenvolvimento, como muito é feito. Isso retiraria seu status de ciência por não ter um objeto concreto e único, mas sim um reciclado de todas as outras ciências com as quais compete por um lugar. É aí que Lacan intervém, para defender que não vale a pena reduzir o seu objeto, o inconsciente, para se encaixar junto às ciências. A psicanálise tem uma irredutibilidade de seu objeto, foi preciso um discurso abrupto, rude, de Lacan para defender o que antes não era visto como psicanálise. 

Qual é então o objeto da #psicanálise? Não é a própria cura (se algo assim realmente existe), mas sim os “efeitos” que uma análise pode ter e isso envolve o sujeito, o sujeito do inconsciente. Esse é o objeto, o inconsciente. A luta da psicanálise é encarar o que parece ter sido dado de antemão para o ser humano, seu eu, e mostrar o além dele, desenvolver o aspecto além do imaginário. 

A (re)descoberta de Lacan se dá por via da Linguística estrutural de Saussure. Freud já dissera que tudo dependia da linguagem; Lacan precisa: “o discurso do inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Com isso acaba o biologismo e o psicologismo que ficaram muito felizes em ler Freud como uma teoria da “maturação dos estágios”, seja neurobiológica, seja bioneuropsicológica; é o fim da leitura do puro e simples fenômeno. Tudo o que se dá no tratamento acontece pela e na linguagem, inclusive o silêncio, seus ritmos e suas escansões. 

Como um exemplo, podemos retirar de A interpretação dos sonhos, de 1900, os conceitos de deslocamento condensação. Traduzidos para a linguística, o deslocamento pode ser visto como metonímia e a condensação como metáfora, tornando assim significantes, inscritos na cadeia de um discurso inconsciente, dublando em silêncio o recalcamento no discurso do ser humano. Graças a Lacan, o discurso torna-se duplo e uno, inconsciente e verbal, só tendo como campo duplo um campo único sem nenhum além a não ser em si mesmo: o campo da “cadeia significante”. 

Está aí a parte mais original da obra de Lacan: a Ordem Simbólica. Essa diz que o pequeno ser-humano está, desde cedo, banhado em significantes mesmo ele não sabendo o que eles significam ainda. Primeiramente temos o momento da relação dual, pré-edipiana que esse ser humanozinho passa, com a alienação no seu Grande Outro, na sua figura materna, sendo essa relação no modo do fascínio imaginário e com a identificação narcísica primária. E o segundo momento, o do Édipo, como uma possibilidade de separação da relação mãe-bebê pela vinda da função paterna, inserindo o humano na Ordem Simbólica e, portanto, na cultura. 

São esses dois grandes momentos, o do imaginário (pré-edipiano) e o do simbólico (o Édipo resolvido) que estruturam o sujeito neurótico. Essa é a passagem da natureza para a cultura, pela ordem da #linguagem. O estádio do espelho é o que constitui o eu (moi), pré-edipicamente. Já o édipo estrutural constitui o sujeito (Je). 

A Lei da #Cultura, de que todo o discurso é pautado na Ordem Simbólica e, portanto, no discurso do Outro, consegue nos dar uma captação conceitual do que seria o inconsciente: o lugar absoluto, em cada sujeito, no qual o discurso singular busca seu próprio lugar, e fracassa, mas consequentemente se acha nesse fracasso com a denegação de seus próprios fascínios imaginários. O Édipo então não é um sentido oculto que faltaria apenas a consciência, ele é a estrutura dramática, a “máquina teatral”, imposta pela Lei da Cultura a qualquer candidato, levando em consideração todas as suas variações de desfecho. A Psicanálise trabalha sobre os “efeitos” dessas variações, sobre a estrutura (neurótico, perverso ou psicótico) e a singularidade que é o Édipo para cada sujeito. 

A crítica de Lacan para os pós-freudianos foi exatamente esse abandono da importância da linguagem e, portanto, no desfecho do Édipo. Eles focaram apenas na compreensão, dando ênfase ao sentido e, consequentemente, vangloriando a relação dual e imaginária. Outra crítica conhecida sua é a do conceito de contratransferência kleiniano de que o analista joga a responsabilidade do que está sentido para o analisando.